A cidade do Rio de Janeiro tem vivido palco de grandes transformações urbanas para receber os grandes eventos, como: a Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016). O Estado (governos municipais, estaduais e o governo federal) junto da FIFA e COI (Comitê Olímpico Internacional) ditam regras e tornando um Estado de Exceção, onde as leis são próprias para receber os jogos. Intervenções essas nas cidades-sede dos jogos da Copa com utilização de recurso quase totalmente público. É importante destacar que no anúncio dos eventos, o discurso oficial era de que as duas iniciativas seriam financiadas com recurso privado e agora vemos que 98,5% é recurso público que sairá da Caixa Econômica (a maior investidora – R$6,6 bilhões), do BNDES e Infraero. Apenas R$336 milhões virão da iniciativa privada
Além disso, cria-se um ufanismo e nacionalismo a partir da expectativa dos moradores nas mudanças que a cidade em termos de melhoria de vida e maior infraestrutura urbana, contudo observa-se que a Copa do Mundo deste ano foi construída basicamente com o dinheiro público e as obras de infraestrutura previstas que foram apresentadas como solução para melhorar a qualidade de vida dos moradores destas cidades, a maioria encontra-se atrasada. Verifica-se que as cidades-sede que receberão os jogos olímpicos tem sido foco de mudanças urbanas, econômicas, culturais, políticas e no campo ideológico, principalmente para atender interesses de especuladores imobiliários que estão lucrando com a requalificação do solo urbano e a função mercadológica dos espaços públicos e privados.
Essas ações do governo estão associadas a um projeto de desenvolvimento urbano, baseado no planejamento estratégico das cidades, onde as legislações são flexibilizadas para atender os interesses dos grandes capitais. Os projetos urbanos, acompanhado destes grandes eventos esportivos já demonstram impacto direto na vida das mulheres trabalhadoras nestas cidades, no campo do trabalho informal, que representa 60% do trabalho das mulheres brasileiras. No Rio de Janeiro, as mulheres ambulantes apresentam, na pesquisa realizada pela Casa da Mulher Trabalhadora que terão dificuldade para conseguir trabalhar e circular nos espaços públicos, principalmente devido à repressão da prática da Prefeitura com o Choque de Ordem e em virtude das regulamentações da FIFA na venda de mercadorias padronizadas e previamente autorizadas, pois a Lei Geral da Copa garante através dos “Territórios FIFA” que 2 quilômetros de perímetro ao redor de qualquer local oficial dos jogos são espaços para as grandes redes e marcas patrocinadoras do megaevento. Sendo assim, as maiores preocupações dentre as mulheres que não possuem licença para o trabalho é a garantia da sua sobrevivência e das famílias das mesmas com esse aumento da fiscalização, da violência e das extorsões da polícia. Resultado disso será uma maior repressão, tendo em vista que o lucro vai para as grandes empresas, as transnacionais, e não para os pequenos comerciantes que tradicionalmente vendem alimentos ao redor dos estádios e eventos.
Há denúncias também de exploração da força de trabalho feminino nos atelieres de costuras, onde são confeccionados bandeiras, camisetas e outros adereços em verde e amarelo que vão enfeitar as casas dos brasileiros, as ruas e avenidas durante a Copa. Este trabalho tem sido resultado de intensas e longas jornadas de trabalho, como afirma a ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa) no I Encontro de Atingidos pela Copa que ocorreu em Belo Horizonte no mês de maio. Por um pouco mais de 1 salário mínimo, as costureiras estão produzindo de 400 a 800 dessas peças diárias, em 12h a 14h, sem qualquer direito social e trabalhistas garantidos. Há uma forte tendência na precarização do trabalho que os megaeventos se apropriam considerando as relações de capitalismo dependente que se aproveitam do trabalho feminino, desregulado, subumano, por vezes combinado de trabalho infantil nos países periféricos, como o Brasil.
No âmbito das tensões e conflitos relacionados com o aumento da exploração do trabalho pelo capital, recentemente no Rio de Janeiro, costureiras da empresa Duloren localizada em Vigário Geral, fizeram uma paralisação e ficaram dentro da fábrica fazendo assembleias sobre as condições de trabalho, denúncia de abusos e assédio moral. Além da melhoria nas condições de trabalho, em termos salariais, elas alegaram que não era permitido que as funcionárias entrassem com nenhum tipo de sacola no interior da empresa, sendo assim eram submetidas a constrangimento. Funcionárias quando menstruadas eram obrigadas a entrar com seus absorventes nas mãos e eram questionadas sobre a quantidade dos mesmos por seguranças homens.
Nas 12 cidades-sedes (Fortaleza, Belo Horizonte, Natal, Salvador, Manaus, Brasília, Porto Alegre, Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Curitiba), se estimam remoções de cerca de 200 mil pessoas, que vivem em áreas nas quais estão sendo realizadas obras para o evento. As remoções forçadas que vem ocorrendo na cidade do Rio, também influencia na vida das mulheres. Já são mais de 30.000 pessoas ameaças que já sofreram a remoção das suas moradias ou estão com risco de demolição com a justificativa utilizada dos jogos olímpicos e projetos de infraestrutura urbana, somente no Rio de Janeiro. As lideranças desses movimentos contra as remoções, a maioria é feminina porque a moradia significa segurança para a família, sendo o lugar onde adquire sentido para a vida social dessas mulheres. Espaço social onde foi criado laços de solidariedade, vínculos afetivos, comunitários e relacionais e com as remoções, os deslocamentos têm sido para locais distantes dos serviços urbanos, acarretando perda do trabalho ou sobrecarga de trabalho dessas mulheres que já tem jornada longas de trabalho, com trânsito e ainda com falta de posto de saúde, creche, escola próxima ao local de residência acabam sendo responsabilizadas pelo cuidado com filhos, parentes doentes e idosos, funções atribuídas às mulheres historicamente.
Outro impacto está relacionado ao aumento da violência às mulheres não somente em âmbito doméstico, mas também nos espaços públicos. Os casos de estupro no Brasil aumentaram 18,17%, totalizando cerca de 50 mil. Sendo que nos últimos 3 anos, aumentou 150% das denúncias de estupros no Brasil. O aumento da participação das mulheres e maior circulação destas nos espaços públicos não se traduziu em melhoria das condições de vida, pois a noção que o corpo da mulher é público ainda é presente culturalmente na nossa sociedade. Por isso, temos que enfrentar essa opressão cotidianamente.
Com esses eventos olímpicos é potencializada também a prática da exploração sexual infantil como à arregimentação de mulheres para atender sexualmente aos turistas. A expectativa é que 600 mil turistas estrangeiros e milhões de brasileiros devem circular pelo país: a exploração sexual representa um risco maior para as mulheres em situação de vulnerabilidade social, em especial, às crianças e jovens. No caso do Ceará, Rio Grande do Norte, Recife, Salvador e Manaus, cidades já conhecidas internacionalmente como rota do tráfico de mulheres e como lugar de maior incidência da exploração sexual, isso tende a se agravar, principalmente porque existe um ideário do turista como homem do bem que vai trazer lucro e coisa boa para a cidade. Nas cidades-sede foram oferecidos cursos de línguas para profissionais do sexo a fim de prepará-las para os megaeventos.
Contudo a legislação é rígida para a população local, mas não protege os moradores desses tipos de ameaças, crimes, incidências, opressões que são causadas em virtude do favorecimento da imagem turística da cidade como uma mercadoria e por isso, a mulher também é transformada em objeto disponível para que os turistas possam tirar proveito e pagar pelos serviços sexuais que lhes são fornecidos, imagem esta incentivada em muitas propagandas e empresas de turismo. Muitas vezes, serviços estes acompanhados com violação de direitos humanos às mulheres. Essas questões têm se configurado como desafio à organização do movimento de mulheres para construir uma agenda de lutas que enfrente esta realidade. No Rio, o Fórum Estadual de Combate à Violência contra à Mulher tem promovido panfletagens, debates, atividades de rua, atos a fim de dar visibilidade da luta das mulheres neste contexto de conflitos urbanos em evidência.
Natália Oliveira – PSOL Rio de Janeiro – Frente de Mulheres e Movimentos Sociais
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