“Todas as revoluções são impossíveis até se tornarem inevitáveis”, Leon Trotsky
Por Silvia Santos – Executiva Nacional do PSOL
As revoluções na Tunísia e no Egito confirmam a magnífica definição de Trotsky. Começou a Revolução Árabe, um verdadeiro terremoto de consequências ainda imprevisíveis. A queda de Mubarak é um primeiro grande triunfo do movimento de massas e uma grave derrota do imperialismo norte-americano, europeu e de seu agente, o Estado de Israel.
Toda a revolução nos obriga a acompanhar os acontecimentos à luz da teoria e da experiência anterior. Junto à solidariedade e ao entusiasmo, surgem as necessárias análises e propostas elaboradas por estudiosos políticos, organizações e militantes de toda a parte, com o fim de aportar ao processo revolucionário. Nossas reflexões somam-se às contribuições já apresentadas no PSOL, por Pedro Fuentes e Israel Dutra (Tunísia e Egito: uma revolução democrática percorre os países árabes – http://internacionalpsol.wordpress.com/2011/02/07/tunisia-e-egito-uma-revolucao-democratica-percorre-os-paises-arabes/) com o qual fizeram um curso de formação. Vamos nos deter, sobretudo, no caráter da revolução e do programa, uma vez que, na proposição dos autores, a perspectiva do processo revolucionário é de inevitavelmente se deter nas conquistas democráticas, para o qual defendem como única tarefa e método para avançar o da Assembleia Constituinte, conclusão com a qual discordamos e chamamos a debater.
1 – Marco internacional: a hegemonia norte-americana em decadência
Somente no marco da situação mundial é possível entender o processo revolucionário aberto no norte de África. Concordamos que “os Estados Unidos atravessam a pior etapa de sua decadência”, como afirmam os companheiros. Existe uma profunda unidade entre esse processo, a derrota militar dos EUA no Iraque, o pântano que se tornou a intervenção no Afeganistão, a impossibilidade de derrotar as massas palestinas. Se a isso somamos a crise econômica, que não conseguem superar, pois existe uma luta tenaz do movimento de massas mundial contra os planos de austeridade, teremos o quadro que explica a brutal crise da hegemonia imperialista. Isso não significa que tenha surgido outro poder hegemônico. Mas o determinante é que este marco mundial possibilita que eclodam processos revolucionários.
Concordamos com o jornalista e blogueiro egípcio Hossam el-Hamalawy* o qual afirma ter sido a Tunísia o “catalisador” pois existiam condições objetivas para o levante. Fala das “greves operárias desde 2008, da invasão ao Iraque, da Intifada al-Aqsa…. Das mobilizações do ano 2000 em apoio aos palestinos… esse é o marco que foi gerando as condições”.
*Hossam el-Hamalawy é um jornalista e blogueiro -3arabawy-. Mark Levine, professor da Universidade da Califórnia Irvine, conseguiu contatar Hossam a través de Skype para conseguir um informe de primeira mão sobre os fatos que se desenrolam no Egito. Traduzido do inglês para Rebelión por Germán Leyens e revisado por Caty R.
Também surgiram comparações com a revolução iraniana de 1979 que derrubou o Xá Rezah Pahlevi, ou com as revoluções nos antigos países “comunistas” do leste europeu ou com a queda das ditaduras latino-americanas. Em relação à revolução de 79 no Irã destacamos uma diferença importante em relação ao Egito: enquanto aquela derrotou às forças armadas do regime, no Egito ainda agora continuam no poder, e pretendem liderar a chamada transição até as eleições, com o apoio dos EUA. Não por acaso sua primeira medida foi declarar que mantinham todos os acordos internacionais, em especial com Israel. Ou seja, não foi derrotado o aparelho militar do antigo regime; avalia-se que o golpe maior foi sobre o serviço secreto. Além do que no Egito o movimento islâmico tem menos peso do que este movimento teve e tem no Irã. Já o que diferencia o Egito da queda das ditaduras latino-americanas e dos regimes estalinistas é o marco mundial: a crise da hegemonia imperialista, as derrotas sofridas no terreno militar, político e econômico às quais se soma, agora, a perda de seu principal bastião na região, depois de Israel, Concretamente, o movimento de massas mundial e a revolução árabe em particular enfrentam um imperialismo enfraquecido (não menos agressivo), o que possibilita avançar nas lutas anti-imperialistas e anticapitalistas.
2 – A composição social da revolução
Como toda revolução contra uma ditadura, sua composição é heterogênea. Mas em todas elas, os que enfrentam e doam sua vida nessa luta, seu motor fundamental, são os setores populares. Classe média baixa, trabalhadores, desempregados, jovens sem futuro, junto com profissionais liberais, filhos da classe média alta e até de setores burgueses. Mas, não é a burguesia a protagonista, pois ainda que existam setores contrários à ditadura, treme ao ver o povo mobilizado, pois sabe que pode terminar se voltando contra ela como classe. É consciente que em um processo revolucionário, se sabe onde começa, não onde termina.
Na Tunísia e no Egito tem sido importante a participação da classe trabalhadora. Os internacionalistas têm a tarefa de ajudar a superar as informações propositais de setores da mídia burguesa que falam da importância das redes, mas ignoram ou querem ignorar o peso e o papel dos trabalhadores nesses processos revolucionários, precisamente porque estão empenhados em que não tenham nenhum papel. Enfatizamos a seguir trechos que extraímos da mídia alternativa, que merecem ser lidos com atenção e divulgados para combater às limitadas, e muitas vezes falsas, análises burguesas.
O site Rebelion.org de 10/02, à respeito da Tunísia publicou uma entrevista com Hamma Hammami, secretario geral y porta voz do Partido Comunista dos trabalhadores Tunesinos (PCOT), realizada por Myriam Martin e Coralie Wawrzniak do NPA [... “Inclusive se os dirigentes sindicais da UGTT colaboravam com o regime, seus membros eram sindicalistas militantes o que possibilitou que chegada a hora das greves, os sindicatos pudessem se somar... Em muitas cidades os trabalhadores manifestam frente às sedes das UGTT locais (cuja direção nacional está estreitamente vinculada ao partido de governo) exigindo que se declare a greve. Em outros casos a UGTT se somou às paralisações para evitar perder o controle... aconteceu não somente em regiões de históricas insubordinações operárias como o porto de Sfax ou a região mineira de Gafsa. A luta operária se estende a todo o país.. abrange federações como correios e educação... mas também à maioria dos sindicatos].
Hamma Hammami, afirma também que “ainda que faltassem um programa e uma organização central, o movimento não é verdadeiramente espontâneo no sentido de “ausência de toda organização e de toda consciência”. Não. Há uma consciência política nascida de uma acumulação de lutas nos últimos vinte anos. Por exemplo, a sede da UGTT na cidade de Redeyef é agora o palácio de governo”.
Nizar Amami, sindicalista, porta voz da liga da Esquerda Operária da Tunísia, (Rebelion, 01-02-11 – Wassim Azreg – NPA) afirma que “[...a esquerda sindical, algumas federações e regionais da UGTT estão hoje no coração do processo revolucionário. Não por acaso são vários anos que foram convocadas greves sem o acordo do secretário geral... Desde o começo das manifestações a ação dos militantes sindicais das federações de professores, de alguns setores da saúde, dos setores de correios, se combinou à dos advogados e dos estudantes da União Geral dos Estudantes de Tunez (UGET)]. No Egito, relata: [...Com a volta ao trabalho em 06/02 em diversas cidades houve greves e ocupações de fábricas. Os protestos laborais se intensificaram em Suez, com a participação dos trabalhadores têxtis... Em Mahalla mais de 1500 trabalhadores da empresa Abu El-Suba se manifestaram bloqueando a estrada. Na cidade de Quesna, 2000 trabalhadores da empresa farmacêutica Sigma se declaram em greve exigindo melhores salários e a destituição dos diretores. No Cairo, mais de 1500 trabalhadores da limpeza manifestaram por aumento salarial a contratação definitiva e a destituição do presidente da administração. Estão em greve os trabalhadores das telecomunicações... Em Suez ocuparam a têxtil Suez Trutst. Mil trabalhadores da fábrica de cimento Lafarge em Suez estão em greve. exigindo a formação de um sindicato e declarando apoio à revolução. Os trabalhadores do cimento de Tora começaram a protestar pelas condições de trabalho... a agencia de notícias oficial publicou: “os empregados detiveram o vice presidente do sindicato de trabalhadores egípcio e exigem sua imediata renuncia... em 8 fevereiro os professores universitários marcharam para a praça em apoio à revolução... os jornalistas se reuniram na sede do sindicato para pressionar pela destituição do seu dirigente sindical...os trabalhadores da ferrovia estão em greve... ao menos duas fábricas da produção militar em Weleyn estão em greve. Milhares de trabalhadores petroleiros estão marchando para o Ministério do Petróleo... os trabalhadores de Ghazlk Mahalla também estão em greve...]
Já em seis de fevereiro, o mesmo jornalista e blogueiro Hossam el-Hamalawy declarava: “Há quatro focos de luta econômica: uma siderúrgica e uma fábrica de fertilizantes em Suez; uma têxtil em Mansoura que em greve demitiram o gerente e estão autogestionando a empresa; também tem uma gráfica no sul do Cairo Dar al-Matabi onde também expulsaram o gerente e estão em autogestão… Os três sindicatos independentes (o da arrecadação de impostos; o dos técnicos de saúde e o de aposentados) manifestaram frente a governamental Federação Egípcia de Sindicatos, exigindo o indiciamento de seu presidente por corrupção e o direito a formar sindicatos livres… O Manifesto dos trabalhadores do Metal e do Aço em Helwan, propõe as seguintes demandas: – a imediata saída de Mubarak e de todos os elementos do regime – confisco da fortuna e das propriedades de todos os corruptos – a criação de sindicatos independentes e a preparação de conferências para eleger e formar suas organizações – a recuperação das empresas publicas, sua nacionalização e participação dos trabalhadores e técnicos na sua administração – formação de comitês para assessorar os trabalhadores nos locais de trabalho e supervisionar a produção, distribuição e os preços e salários – a convocação a uma assembleia constituinte de todas as classes populares e tendências para aprovar uma nova constituição e a eleição de conselhos populares sem aguardar as negociações com o regime atual”.
3 – A luta é por liberdade, trabalho e pão
A mobilização de massas que derrubou Mubarak significa somente uma Revolução Democrática, que se detém na queda do ditador, cuja perspectiva é lutar pela Assembleia Constituinte, e dessa forma se concretizará a independência nacional, estando impossibilitada de ir além? Acreditamos que não. Concordamos: a derrubada de uma ditadura é uma tarefa democrática, como também o é a independência do imperialismo ou a reforma agrária. São tarefas democráticas anti-imperialistas. Mas devemos considerar que o motor da revolução nos países do norte de África não é somente a falta de liberdade, mas contra o desemprego, a pobreza, pelo “pão”, enfim, contra todas as consequências da brutal crise econômica que castiga o povo trabalhador e, sobretudo, a sua juventude. Também, não podemos falar simplesmente de uma revolução democrática, sem analisar que está enfrentando um inimigo capitalista e imperialista (Mubarak, EUA, Israel, etc.) e não de um inimigo feudal. Por isso é objetivamente anticapitalista. Não achamos correto o texto dos companheiros quando depois de afirmar que as demandas por trabalho e salário se combinam com a luta contra a autocracia, define que as “principais bandeiras são Abaixo Mubarak e Assembleia Constituinte” e, portanto… a revolução é democrática. As revoluções democráticas nesta época imperialista são revoluções anticapitalistas objetivas, pelo inimigo que enfrentam e pelas forças sociais que a levam adiante, que não são os burgueses e sim os setores populares (classe média baixa) e os trabalhadores, os desempregados, a juventude. Está mais correta a definição do Manifesto das 28 organizações presentes no Congresso do NPA: “Estas revoluções não só abrem caminho para demandas democráticas que acabam com as ditaduras, como também ao questionamento dos sistemas econômicos capitalistas que são as causas de tanta injustiça. As reivindicações sociais estão no coração destas insurreições”.
4- A queda de Mubarak e a dinâmica das classes
Com a queda de Mubarak, abre-se uma nova etapa com tarefas democráticas a concluir, como derrotar a transição pactuada pelo imperialismo com centro nas forças armadas, e derrotar o novo governo de Ghanouchi na Tunísia. Quem define bem este novo momento é outra vez o jornalista Hossam el-Hamalawy: “suponho que se nosso levante tem êxito e Mubarak cai, aparecerão divisões. Os pobres vão querer ir a posições muito mais radicais, impulsionar a redistribuição radical da riqueza e combater a corrupção, enquanto que os denominados reformistas querem por o freio, pressionar por mudanças “por cima” e limitar um pouco os poderes, mas manter alguma essência do Estado.” Não conhecemos este jornalista, mas com certeza fez uma boa síntese da dinâmica das classes formulada por Trotsky na Revolução Permanente.
Não avaliamos que continue o movimento de forma heterogênea e unificada lutando pela Assembleia Constituinte. O imperialismo busca negociar e pacificar a região, mas não através de “uma democracia burguesa clássica”. Existe uma frente objetiva entre o imperialismo ianque e europeu, o Estado de Israel e os governos árabes reacionários, a alta oficialidade e a cúpula das forças armadas – fundamentais em 30 anos de regime – as empresas imperialistas e os grandes empresários locais que buscam preservar a todo custo a integridade das forças armadas através de algum arremedo de democracia burguesa. Setores pequeno burgueses, partidos e movimentos conciliadores com certeza também buscarão desmobilizar e depositar uma quota de confiança nos militares. A “divisão” a que se refere Hossam fica fácil de ver nos jornais brasileiros. Em14/02 informam das inúmeras greves (entre elas a dos policiais) que tomam conta do Egito e dos chamados do Exército a finalizá-las pelo bem da economia, a Folha.com relata: “Anteriormente nesta segunda-feira, o Exército do Egito pediu por solidariedade nacional, exortou a trabalhadores para que façam seu papel para reavivar a economia do país e criticou ações de greve, após muitos empregados terem sido encorajados pelos protestos que derrubaram o ditador Hosni Mubarak a demandar melhores salários.”
5 – É necessário um programa de transição
Como militantes socialistas e internacionalistas, escrevemos sobre uma revolução para aproximar o debate e ver como podemos ajudar a avançar e contribuir teórica, política e praticamente com as gigantescas tarefas que tem pela frente o povo egípcio. Qual é o programa de transição possível, visto que se trata de combinar “tarefas econômicas e políticas”, sobretudo, agora que caiu Mubarak? Deveriam os militantes socialistas, por exemplo, intervir no Movimento 6 de abril, para ajudar a desenvolvê-lo vinculado às demandas do movimento, visto que expressa um poder dual embrionário? Fortalecer os sindicatos independentes que estão nascendo? Os comitês de bairro? Sem dúvida deveriam apostar e apoiar as greves dos trabalhadores! A luta pela abolição da lei de emergência, a liberdade para estabelecer partidos e a libertação dos prisioneiros políticos! Devem ser fortalecidos todos os organismos de massas para lutar por uma alternativa de poder dos de baixo, para garantir o salário, o pão, a expropriação da riqueza de Mubarak e sua família, a renacionalização das empresas privatizadas e a nacionalização dos setores fundamentais da economia! Defender a necessidade de chamar os soldados e a tropa a se organizar, exigir seu direito a livre organização, para ganhá-los ao lado do povo separando-os da alta oficialidade! É decisivo chamar a impedir qualquer negociação com o antigo regime e suas forças armadas, financiadas pelos EUA! Denunciar que as Forças Armadas pretendem “modificar” a Constituição ignorando o povo! Chamar à luta para confiscar todos os bens do partido de governo! Lutar para impor as liberdades democráticas mais amplas, julgar os torturadores e assassinos, exigir que sejam respeitados os direitos humanos! Para impor a imediata ruptura com o sionista e racista Estado de Israel e garantir uma Assembleia Constituinte livre e democrática que reorganize o país a serviço da maioria do povo trabalhador! Para garantir estas tarefas tem cada vez mais importância as greves dos trabalhadores e as lutas dos setores populares. Não seria necessário que o central de uma proposta socialista fosse o chamado a que continuem se mobilizando em torno de um programa com as características acima? A maioria das demandas aqui propostas estão desenvolvidas em diversos textos, como o da Frente Democrática 14 de janeiro da Tunísia, ou formuladas parcialmente nas diversas greves. Do nosso ponto de vista, aqui reside a maior limitação na proposta do texto levado à escola de formação do MES (corrente do PSOL). Pois não levanta nenhuma bandeira nem tarefa, a não ser Assembleia Constituinte, ainda que apareça escrito que a revolução combina tarefas econômicas e políticas.
O texto define que a revolução somente poderá avançar para uma democracia radical parecida com América Latina, nacionalista, ou seja, a um processo semelhante ao venezuelano. Por isso, a única tarefa que propõem é a de eleições para uma Assembleia Constituinte definida como objetivo a alcançar e também o caminho para se chegar à independência do imperialismo, sendo que no texto não se assinala a necessidade de continuar a mobilização e as greves. Para que não fiquem dúvidas, o texto dos companheiros completa: “quem levantar hoje as bandeiras do socialismo está descontextualizado, pois a revolução é democrática”. E esclarecem que, somente se o processo revolucionário cumpre a etapa de libertação nacional, numa etapa posterior se poderá entrar numa dinâmica socializante.
Achamos oportuno lembrar que nem a revolução russa se fez com a bandeira do socialismo, mas com as de PÃO, PAZ E TERRA, assim que nem queremos entrar nessa polêmica, pois não estamos defendendo que no Egito a revolução se faz agitando essa bandeira.
Como o texto não fala concretamente da situação e das reivindicações do povo trabalhador e dos setores populares, dos processos reais que estão ocorrendo, da dinâmica de quem serão os verdadeiros protagonistas das lutas que estão por vir após a queda de Mubarak, nada disto, concluímos que os autores confiam que poderá a independência nacional ser realizada pelas forças armadas, daí a comparação com a Venezuela de Chávez? A conquista da independência nacional nada teria a ver com a luta da classe trabalhadora pela sua libertação, estaria completamente isolada da luta pelo socialismo à qual se chegaria numa etapa posterior. Esta se converte assim numa etapa obrigatória e compete a setores burgueses, pequeno-burgueses e militares dirigi-la visto que, na análise, a classe trabalhadora não cumpre nem pode cumprir papel importante neste processo. Apoiam-se no fato real da não existência de uma direção revolucionária socialista. Mas a conclusão não é que se abrem condições excepcionais para construí-la, mas a inviabilidade de qualquer avanço para lutar por uma saída de fundo do ponto de vista de classe, utilizando um método fatalista e determinista. A nosso ver, uma saída tipo Nasser traz todas as contradições do nacionalismo burguês.[1]
Novamente, retomamos o Manifesto das 28 Organizações presentes no Congresso do NPA que ao invés de desvincular as tarefas anti-imperialistas das socialistas como faz o texto do MÊS, coloca: “Isto significa que os povos da Tunísia e do Egito, as forças que desejam abrir o caminho anti-imperialista e socialista nos seus próprios países, necessitam da solidariedade e o apoio ativo dos revolucionários e dos movimentos anti-imperialistas, sociais, sindicais do mundo inteiro”.
5 – Revolução democrática e revolução permanente
O texto faz importante referência às teses da Revolução Permanente de L. Trotsky. Essa formulação da dinâmica revolucionária combina diversos aspectos como o papel e a dinâmica das classes, as tarefas a cumprir e o movimento dialético do processo internacional. Demonstramos com diversos exemplos que a dinâmica de classes é uma até a queda da ditadura, e se abre uma nova quando o velho regime cai. Sobre as tarefas, já vimos, por exemplo, que o Manifesto dos trabalhadores do Metal e do Aço combina diversas reivindicações e consignas; o mesmo se dá na declaração da Frente Democrática 14 de janeiro da Tunísia, um programa e combinação de tarefas, não somente Assembleia Constituinte. E se observamos as greves que estão acontecendo por salário, condições de trabalho e pela remoção dos diretores das empresas, veremos que longe de resumir a luta à Assembleia Constituinte, estas assumem e combinam cada vez mais tarefas claramente anticapitalistas com as democráticas. A dinâmica internacional da revolução está mais do que demonstrada nas lutas contra os governos e contra a fome que se alastram nos países do norte de África; nas mobilizações de muitos países do mundo festejando a queda de Mubarak; na influência que prevemos terão os imigrantes africanos na Europa que luta e resiste contra o ajuste, todos processos que retroalimentam a crise econômica, política e militar do imperialismo. Infelizmente, os autores confiam em que os países da ALBA são o ponto mais avançado da solidariedade internacional e os consideram parte dos socialistas latino-americanos, sendo que nenhum dos seus governos antes da queda de Mubarak teve a coragem de se pronunciar pela queda do sanguinário ditador, nem manifestaram solidariedade com os heroicos povos africanos e menos ainda romperam relações com os ditadores da Tunísia e Egito, calando de uma forma covarde. A verdadeira solidariedade está sendo nos fatos levada adiante pelos povos árabes que lutam contra suas respectivas ditaduras e contra os planos de fome; pelos trabalhadores e o povo que resiste na Palestina e vibram com os primeiros triunfos da Tunísia e do Egito; pelas massas que na Europa enfrentam os planos de ajuste e os governos que os aplicam, por todos aqueles que lutam sem trégua contra o imperialismo e os governos capitalistas nacionais, sem depositar confiança em salvadores da pátria, mas confiando cada vez mais nas suas próprias forças. Estas mobilizações extraordinárias com certeza não agitam a bandeira do socialismo, mas na prática sua luta é infinitamente anti capitalista e internacionalista, ou seja, com dinâmica socialista. Somente desta maneira, o movimento de massas irá superando o atual vazio de direção revolucionária e criando o fator subjetivo imprescindível: um partido socialista e revolucionário.
[1] É importante rever a origem de Mubarak e o que aconteceu com o governo e o movimento nacionalista burguês no Egito. Mubarak não “brotou” de um desconhecido processo reacionário. Mubarak, assim como Anwar El- Sadat, seu antecessor, foram expressão da degeneração do movimento nacionalista burguês liderado por Nasser. Esse, foi o inspirador do golpe de estado de 1952 que terminou com a monarquia, obteve a retirada das tropas inglesas, fundou com Síria a República Árabe Unida. Em 1956 nacionalizou o Canal de Suez que provocou a invasão por parte de Inglaterra, França e Israel para recuperá-lo, mas foram derrotados no momento de maior apogeu do movimento nacionalista burguês. Na guerra dos seis dias de 1967, Nasser foi derrotado pelo exército sionista e faleceu em 1970. Todos foram do movimento criado por Nasser, cujo sucessor imediato foi Sadat, de quem Mubarak era vice. Sadat foi quem assinou em 1978 os acordos de Camp David com os EUA sendo o primeiro país árabe a reconhecer o Estado de Israel. Assim o nasserismo completou seu ciclo de ascenso, decadência e queda. Nasser, como todos os regimes de países independentes sob o estado burguês, apoiou-se no movimento de massas para enfrentar o imperialismo e aos setores burgueses vinculados. Mas com o perigo do movimento de massas passar por cima, se apoiou nas forças armadas tanto para enfrentar ao imperialismo quanto para frear e controlar as mobilizações populares. Assim também, com o mesmo objetivo, criou organizações sindicais controladas por dirigentes adictos ao governo. Ou seja, medidas progressivas como a reforma agrária, a nacionalização ou a sindicalização, foram feitas “por cima” sem permitir iniciativas independentes dos trabalhadores e camponeses. Esta é a razão estrutural, de classe, que faz com os governos nacionalistas burgueses que chegam até conseguir a independência política do seu país em relação ao imperialismo, fracassem e acabem sendo derrotados ou capitulem frente à pressão imperialista.
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